Amor-Próprio

Sobre ser quem você nasceu para ser

No meu podcast favorito, o Para dar Nome às Coisas, a jornalista Natalia Souza faz uma abertura, com sua voz doce e cantada, que sempre despertou minha atenção:

“…um podcast que nasceu pra ser uma mesa de bar na web, em que a gente senta e sente não estamos sós. Um lugar em que a gente pode ser do nosso próprio tamanho, sem precisar se esticar e nem se espremer…”

Essa última parte fala tanto comigo, porque acho que essa se tornou a minha definição do amor-próprio.

Para mim, a maior atitude de amor para com a gente mesmo é nos permitir ser do nosso próprio tamanho. Sem permanecer em contextos e relações em que sejamos obrigados a nos esticar além dos nossos limites (físicos e emocionais). Ou nos espremer para caber em ideais contrários à nossa essência.

Se você já precisou se esticar ou espremer dessa forma, sabe o quanto é doloroso. Pode até dar certo por um tempo. Pode ser aceitável por anos.

Mas, aos poucos, principalmente quando avançamos em jornadas de autoconhecimento, vai ficando sufocante.

Nossa voz interna se embarga, louca para sair em um grito queimando os pulmões. 

Para mim, a sensação é realmente física. É como uma bola de boliche sem os furos, maciça e pesada, forçando o estômago para baixo e permitindo, no máximo, uma respiração entrecortada.

Não dá para viver assim. Ou até dá, se estivermos dispostos a esquecer o que nos traz sentido. Essas coisas que, quando praticadas, como gestos de autocuidado, nos permitem responder à pergunta:

O que é amor-próprio?

Parece óbvio como dizer que é o amor atribuído a nós mesmos. De certa forma, é mesmo – mas essa seria uma mera simplificação. Afinal, nem mesmo o amor, por si só, conseguimos definir direito.

A gente sabe quando ama alguém, pelos sinais e sintomas desse sentimento, mas definir a palavra é outra história.

Por exemplo, quando nos alegramos genuinamente pela conquista de alguém, mesmo que ela não tenha nada a ver conosco, percebemos o quanto amamos aquela pessoa.

Será que conseguimos nos alegrar tanto com as nossas próprias conquistas?

Podemos procurar por esses sintomas até mesmo na definição do dicionário.

De acordo com um dicionário on-line, amor-próprio é o “sentimento de dignidade, estima ou respeito que cada qual tem por si mesmo.”

Podemos dizer que, nessa definição, estão três pilares: dignidade, estima e respeito.

Nos sentimos dignos quando reconhecemos nosso próprio valor.

Estimamos a nós mesmos quando somos capazes de admirar nossas potencialidades.

E nos respeitamos quando tomamos consciência dos nossos próprios limites e não permitimos que eles sejam esticados.

Além disso, nos amar é ter a capacidade de desenvolver esses três pilares nos abraçando por inteiro. Até as partes mais escuras da nossa alma e nossa história. Porque, como você já deve saber, a narrativa da vida está longe de ser como um clássico da Disney.

Teve pelo menos uma vez em que seu coração foi partido.

Você provavelmente já falou ou fez algo que trouxe consequências negativas para alguém. E, na vida real, não existe borracha.

Você se lembra de quando poderia ter se esforçado mais para alcançar algo importante.

Você teve perdas responsáveis por buracos impossíveis de preencher.

Você é essa construção de partes trágicas e maravilhosas. E se amar é reconhecer tudo isso, se perdoar, admirar e buscar fortalecer suas virtudes.

Principalmente depois de entender…

Por que o amor-próprio é importante e qual a consequência da falta dele?

Acho que já existem terapeutas o suficiente (e necessários) para dizer que, sem amor-próprio, somos menos capazes de realizar coisas na vida, por não acreditar nas nossas capacidades.

Mas penso que a falta do amor-próprio também nos impede de fazer o básico por nós mesmos e a nossa felicidade. Falo como quem já fez isso até as últimas consequências.

Quem me conhece um pouco mais a fundo sabe da minha grande paixão pelo ballet clássico. É uma paixão tão intrínseca que parece nem ter tido um ponto de partida, é como se sempre tivesse estado aqui.

Então, durante boa parte da infância e adolescência, sonhei em ser bailarina profissional – para viver da principal parte da minha essência.

Mas logo percebi a diferença entre o meu corpo e o padrão do ballet clássico estabelecido pelas companhias renomadas. 

Tenho consciência de ser magra, mas não tenho um biotipo alongado e longilíneo.

[antes que muita gente me cancele: mais uma vez, eu tenho consciência de ser magra. E sei que as pessoas que estão à margem de diversos padrões sociais podem sofrer mais estrondosamente pela própria imagem. Mas a sociedade é cruel com todas nós, mulheres].

Então, fiz coisas que me adoeceram física e mentalmente e parei de fazer ballet por longos anos.

Se você pensar bem, vai perceber o quanto isso foi cruel comigo mesma. Abandonei a arte que me conectava com o mais verdadeiro de mim. Pela falta de amor-próprio.

Felizmente, com o passar dos anos, terapia, pessoas que me apoiaram e uma viagem para as minhas profundezas, voltei a fazer ballet de uma forma muito mais saudável.

Sigo evoluindo como bailarina amadora e nutrindo essa paixão como uma forma de cuidar de mim.

Mas isso significa que todos os problemas com a minha imagem acabaram? Que amo a mim mesma o tempo todo, sem oscilações?

Não. E te conto o porquê.

O amor-próprio é uma construção infinita

Não é um destino ao qual se chega. É uma viagem em que a gente às vezes para e se encanta pelos destinos turísticos. Mas também visitamos locais que nos lembram da bola de boliche.

O importante é que, quando a gente aprende a se conhecer e valorizar, nos tornamos mais fortes para tomar a decisão de ir embora e seguir com a viagem. 

Mesmo que, no local em que paramos, existam paisagens bonitas, que nos fazem momentaneamente esquecer do aperto.

Mas só conseguimos ir embora quando temos clareza sobre o que está nos apertando, quais as coisas das quais não podemos abrir mão nem para nos encaixar nos mais perfeitos cenários.

É por isso que…

Não existe amor-próprio sem autoconhecimento

Esse é o motivo de, na minha opinião, nossos primeiros relacionamentos amorosos na juventude não darem certo – quando jovens, não temos clareza sobre quem somos ou podemos nos tornar.

Não sabemos exatamente o que nos incomoda ou quais são as partes de nós responsáveis por nos fazer ser nós mesmos.

Aí, nossa visão de mundo entra em conflito com a do outro e, não sem sofrimento, uma das partes decide ir embora. Porque juntos, os dois não podem ser quem são.

E sem amor-próprio, o amor pelo outro não basta.

Na verdade, até mesmo a bíblia parece confirmar isso. O 2º mandamento é: “amar ao próximo como a si mesmo”.

Assim, o amor a ser praticado e nutrido pelo outro tem como padrão o amor por nós mesmos.

E isso tem a ver com o que acredito ser a principal razão pela qual o amor-próprio é importante.

O amor-próprio nos ajuda a fazer a diferença no mundo

O amor-próprio funciona como uma autopermissão para ser você mesmo.

Então, você reconhece suas qualidades e talentos, faz o que sabe fazer melhor, corre atrás das suas paixões e do que acredita.

Essa visão faz eco com algo em que acredito profundamente:

O melhor que você pode ser na vida é você mesmo.

Você pode até tentar ser outras pessoas, mas nenhuma dessas versões será mais fantástica que a verdadeira, para você mesmo e para o resto do mundo.

Então, se eu pudesse deixar um resumo desse texto que funcionasse como um encorajamento para praticar o amor-próprio, seria: descubra quem você é e busque se tornar uma versão cada vez melhor e mais verdadeira dessa pessoa.

E se, no meio do caminho, essa pessoa se transformar, apresentar novos sonhos, questionamentos, necessidades, acolha essa mudança. Saiba que o processo de luto pela versão que se vai é inevitável.

Mas o renascimento te reconecta com a vida, faz o ar ser notado ao passar pela garganta, o sangue vibrar ao correr pelas veias, o coração correr atrás das novas paixões. 

Amar a si mesmo é se permitir viver de acordo com a chama que se acende em você.

Escrito por Nathália Galvão
2 de fevereiro de 2024 às 11h37
amor próprio, autoconhecimento, autoestima

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