
Quarentena pode intensificar quadros de ansiedade e depressão
Isolamento social e excesso de informação são agravantes

Falta de ar. Desespero. Hiperventilar. Chorar muito. Ficar com muito medo de algo acontecer. É assim que Kevin Souza (25), desenvolvedor de software, descreve suas crises de ansiedade.
O Transtorno de Ansiedade afeta 9,3% dos brasileiros, de acordo com dados de 2017 da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). E para Kevin, a quarentena, com o distanciamento social, foi um agravante.
O primeiro gatilho havia sido um relacionamento que frequentemente ameaçava terminar. “O medo de terminar era constante”, conta. E foi esse medo exacerbado que o fez decidir que algo deveria ser feito: procurou tratamento psicológico. O relacionamento terminou, mas quando Kevin estava focado em sua recuperação, o mundo foi sequestrado pela pandemia da Covid-19 (novo coronavírus), obrigando toda a população a ficar em casa e recorrer ao distanciamento social para frear a curva de contágio.
Para Kevin, a nova situação é “sufocante”, já que encontrar os amigos e desenvolver as atividades rotineiras é sua principal fuga para a ansiedade. “Encontrar os amigos, sair um pouco para distrair a cabeça. Ir a um bar, tocar no estúdio de gravação [de música], tudo isso distrai e ajuda você a manter uma identidade sua. Dentro de casa, você não faz nada, no máximo, mexe no computador”, conta ele.
Quando não está trabalhando em home office, tenta ocupar o tempo tocando guitarra, jogando online e até dando uma “fugidinha” para caminhar no quarteirão, embora a principal recomendação das autoridades da Saúde seja sair de casa quando for realmente muito necessário. Mas caminhar, bem como outros exercícios físicos, faz bem para Kevin, que começou a fazer academia seguindo um conselho de sua psicóloga contra a ansiedade.
Ele também conta que não tem aproveitado os recursos tecnológicos disponíveis hoje para conversar com os amigos ao vivo e em cores, e assim ter a chance de se conectar com outras pessoas, mesmo estando distante.
No entanto, a Dra. Olga Tessari, que é psicóloga, recomenda que esses recursos sejam utilizados para diminuir os impactos da quarentena na saúde emocional. Nem quem mora totalmente sozinho tem motivos para ficar solitário:
“Existe uma diferença entre se sentir solitário e estar sozinho. Se você mora sozinho, é por alguma razão, mas isso não precisa significar que você está solitário. Você pode sim interagir com outras pessoas”, afirma, recomendando o uso de alternativas como chamadas de vídeo com pessoas de quem gostamos para espantar a solidão.
O novo traz medo e tensão
Tessari conta que observou em seus atendimentos online (já que os presenciais tiveram que ser interrompidos) um número significativo de relatos de aumento de sintomas relacionados à ansiedade e à depressão por conta da pandemia e das medidas de distanciamento.
“Tudo o que é novo traz medo, assusta, eleva a tensão no organismo. Se a pessoa já tem uma ansiedade elevada, essa situação vai elevar ainda mais. E para muitas pessoas que nunca tiveram problemas, o momento da pandemia pode ser o gatilho para que o nível de ansiedade delas se eleve a tal ponto, que elas vão precisar buscar ajuda profissional para resolver”.
Já em relação à depressão, a psicóloga também demostra preocupação com o aumento dos sintomas da doença, que já afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo, segundo dados da OPAS de 2018.
Para Tessari, o distanciamento social “pode colaborar para que os sintomas se elevem de forma que a pessoa possa querer provocar suicídio”. Isso porque quem tem depressão acredita erroneamente que o seu sofrimento não tem solução, levando a pensar que a única forma de acabar com a dor é interromper a vida. Por isso, quem tem um amigo ou parente depressivo deve demostrar interesse por ele neste momento e estar presente. Não focando no problema, mas buscando distrair a pessoa do próprio sofrimento.
“Estar presente é fazer companhia, é falar bobagem, dar risada, não é ficar ‘você está bem?’, ‘você melhorou?’. É agir naturalmente. Não com pena, não cheio de dedos”, explica.
O irônico é que um dos alertas que denunciam a depressão, de acordo com a psicóloga, já é a busca constante pelo isolamento: “Quando você chama a pessoa para sair, para fazer as coisas e ela dá mil desculpas para não ir”.
Isso é algo comum para Gean Alexandre (25), que também é desenvolvedor de software. Mas, ao contrário de Kevin, nunca buscou tratamento com um profissional. “Já faz muito tempo que a minha casa se tornou meu local de lazer, de descanso, tudo”, admite, contando que muitas vezes prefere ficar em casa para trabalhar a sair com os amigos.
Há seis meses, ele e a família tentam superar a morte do irmão mais velho, o desemprego da mãe e do pai e agora também os desafios impostos pela quarentena. Atualmente trabalhando em home office, ele perdeu praticamente todo o contato social, já que está longe do ambiente de trabalho.
“Lá no meu trabalho, consigo conversar com os amigos que tenho lá e é tudo mais descontraído, o dia passa mais rápido. Ultimamente, eu fico olhando para o relógio e torcendo para o dia acabar”.
Mesmo assim, ele tenta preencher a mente com o que faz bem, estudando sobre sua área de trabalho, fazendo exercícios físicos e passando tempo com a Maya, sua Bull Terrier, única companhia no momento. Apesar de admitir não se sentir uma pessoa feliz no momento, ele não conversa com ninguém sobre “seus fantasmas”, como ele chama.
Mesmo em quarentena, quem sofre deve buscar tratamento
De acordo com Olga Tessari, o tratamento com um profissional é de extrema importância para lidar com desequilíbrios emocionais, como a ansiedade e a depressão.
“Se você está sofrendo e isso está interferindo nas suas relações com seus familiares, você não está dormindo direito, está cansado, irritado, nervoso, é hora sim de buscar um profissional”.
E, mesmo em tempos de quarentena, a terapia não pode ser deixada para depois. Os canais digitais devem ser explorados e, segundo Tessari, o tratamento online é tão eficaz e seguro quanto o presencial: “Nós temos ferramentas excelentes para mostrar à pessoa quais caminhos ela deve trilhar para rapidamente diminuir os sintomas”.
Além disso, se não tratados, os distúrbios emocionais podem gerar outros problemas para a saúde. A especialista cita, entre eles: comer demais, desenvolver comportamentos compulsivos em relação à comida, fazer uso excessivo de bebidas alcoólicas e remédios calmantes.
Já com o tratamento psicológico, quem sofre “vai conseguir com certeza sair desse estado de sofrimento e em pouco tempo se sentir mais leve e mais feliz, para poder suportar melhor esse tempo e para terminar esse período de pandemia saudável e feliz”. E a psicóloga ainda complementa: “Se nós passarmos esse período em sofrimento, certamente quando a pandemia acabar, nós estaremos doentes”.
Excesso de informações sobre o coronavírus pode elevar os níveis de ansiedade
Ao ligarmos a televisão, ouvirmos o rádio, acessarmos os portais de notícias ou qualquer outro veículo de comunicação, as informações refletem um mundo sitiado pelo novo coronavírus e um número de mortes que cresce a cada dia. Como impedir que isso eleve os níveis de ansiedade e prejudique a saúde?
Olga Tessari recomenda, em primeiro lugar, buscar informações nas fontes seguras. Ela indica o aplicativo Coronavírus-SUS, lançado pelo Ministério da Saúde com o objetivo de conscientizar a população sobre a Covid-19 e as medidas de prevenção.
Em relação aos noticiários, Tessari afirma que as pessoas ansiosas ou depressivas devem limitar o tempo utilizado para acompanhar as notícias. Informar-se até a hora do almoço e, depois disso, apenas no dia seguinte, seria o mais prudente.
“Para ansiosos e depressivos, o ideal é fazer isso [buscar informações] de manhã. Porque você vai absorver essas notícias ao longo do dia. E quando chegar no final do dia, você já esqueceu, já fez outras coisas legais e você vai ter um sono tranquilo”.
Mesmo em casa, podemos ficar mais cansados
Outro problema trazido pela quarentena às nossas vidas é o cansaço. Embora pareça contraditório, a psicóloga atesta a possibilidade de o nível de cansaço estar aumentando, mesmo que não estejamos saindo da porta para fora.
A explicação é a mudança brusca na rotina, que obriga nosso cérebro a ficar sempre pensando nas atividades que vamos desenvolver a seguir. Quando trabalhamos fora, por exemplo, temos uma rotina de acordar, escovar os dentes, trocar de roupa e, quando nos damos conta, estamos prontos para sair e nem pensamos no que fizemos, porque o fizemos automaticamente.
“E hoje você tem que pensar: então agora eu me troco, agora eu tenho que fechar a porta, tenho que pedir para a criança parar de gritar, pedir para a esposa abaixar o volume do rádio. Ou seja, é uma nova rotina que realmente estressa.”
Para não terminarmos o dia cansados e estressados e diminuirmos as chances de prejudicar nossa saúde, ainda de acordo com a psicóloga, o ideal é criar uma rotina em casa, com horários estabelecidos, para quem está ou não trabalhando em home office.
E para resumir todas as recomendações, a psicóloga propõe uma reflexão: “Como eu quero estar quando a pandemia acabar? Eu quero estar saudável e feliz. E espero que todos nós tenhamos o mesmo desejo”.
Assista ao vídeo abaixo e confira na íntegra todas as recomendações da Dra. Olga Tessari sobre:
- Como manter o equilíbrio emocional durante a quarentena
- Como se ocupar de forma satisfatória
- O que fazer para diminuir o estresse e o sentimento de solidão
- Como não deixar que as notícias sobre a pandemia afetem nossa saúde mental